6/02/2010

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O cinema o que é? Divertimento? Alienação? Compreensão? Conhecimento? Pipocas e Coca-Cola? Nada disso? Tudo isso?

Num desses dias de sessões do 9500 cineclube vi duas meninas entrarem na sala com pipocas e coca cola, algo que eu não imaginava acontecer numa sessão cineclubística. O meu primeiro ímpeto foi agarrá-las pelos cabelos, despejar-lhes em cima o refrigerante e os grãozinhos de milho estofado e expulsá-las pelo sacrilégio cometido. Da parte dos meus correligionários da direcção nem um esgar aborrecido. Amansei. Embora me continuasse a irritar, irrita-me aderirem a uma espécie de aditivos para proporcionar mais prazer a ver um filme, uma espécie de preservativos com estrias. Será isso necessário ou trata-se apenas de mais uma manobra publicitária que deu certo? A minha indignação terá mais a ver com esse carneirismo de adesão, do que propriamente com o facto de se comer enquanto se vê um filme. Eu próprio gosto de fazê-lo no sossego do lar. Imaginava que o público dum cineclube estivesse mais interessado no filme do que em confortar os estômago, mas pareceu-me que as pitinhas tinham entrado ali algo equivocadas. Duvido mesmo que soubessem qual o filme que iriam ver. È que aqui não há cinema block-buster, ou seja cinema que mais do que sensibilizar, pretende agradar ao maior número possível de pessoas. E isso remete-me para outra dúvida. Será que quem aqui vem ver um filme se apercebe de que fazemos pouca ou nenhuma cedência ao cinema dito comercial? As pessoas estarão preparadas para ver obras que fogem a esses cânones? Acredito que a maior parte está sim, mas depois ouço queixas do género: “è só filmes franceses”. Sim, temos, por mero acaso, programado alguns filmes franceses. E depois? O que têm de mal os filmes falados em francês? E em coreano? E em polaco? A lingual em que é falado um filme é assim tão importante? Não haverá outras coisas mais importantes?Desculpem, mas não me parece um argumento válido. Gosto imenso de lingua de vaca num prato à minha frente, mas se me trouxerem lingua de chimpanzee, vou pelo menos provar e tentar compreender o seu sabor, e chegar à conclusão de que estou apenas a estranhar e que, com algum tempo, hei-de entranhar e passar a comer língua de primata com prazer. Para os anti–francofonia uma novidade: também teremos filmes falados em inglês. Mas por acaso há um realizador que nos tem mandado mails a propôr-nos a estreia do seu segundo filme. Não sei se vos faz alguma diferença mas o realizador em questão é um chimpanzé e o filme é inteiramente falado em chimpanzês.

Mário Roberto

5 comentários:

Sam disse...

Não dei por pipocas durante alguma das sessões. Em que filme foi?

Abraço.

P.S.: excelente texto!

Unknown disse...

O cineclube tem como função (entre outras) propor outros cinemas e outras formas de o ver. É um processo contínuo que vai funcionando com o tempo. Não se pode esperar que numa terra que nunca teve (a não ser muito episodicamente e em tempos remotos) um cineclube haja um público cineclubístico perfeitamente identificado com a cultura cineclubistica. Há que dar tempo ao tempo!

Estando, embora, de acordo com muito do que escreveste, não posso deixar de comentar que o radicalismo primário é uma forma de fundamentalismo. Vamos ter calma, amigo!

Unknown disse...

Esqueci-me de dizer que é com grande prazer que vejo (finalmente) comentários e textos de opinião sobre as actividades do cineclube. Parabéns! Espero que seja para continuar.

Hopelandic disse...

Boa tarde, Mário!
Excelente texto, sim. E estamos em plena concordância. O cinema como forma de expressão merece mais respeito e humildade da parte de todos.
Cuidado é com os "grãozinhos de milho estofado"! Quererás dizer tufado (inchado)? É que estofado advém de estofar, e não me parece correcto.
Abraço e continuem o bom trabalho!

mr disse...

Não, o que que quis dizer foi mesmo estofado, como o assento duma poltrona, fofo, foi neste sentido. Há muitos anos que brinco assim com as palavras. Mas de qualquer maneira obrigado pelo elogio e pelo reparo também. Abraço.


rings